Ajudar a construir a liberdade e a promover a equidade

 

A Companhia de Música Teatral (CMT) concretiza 25 anos de atividade e revela uma vitalidade impressionante na prossecução dos seus objetivos de desenvolver experiências estéticas na infância conjugando a arte com o ambiente, a música com a expressão corporal, a prática lúdica com a expressão dramática e fazendo alinhar a aprendizagem com o desenvolvimento social.

O título que encabeça este texto tem justificação no facto de a atividade da CMT se pautar por procurar ajudar a construir a liberdade, desde logo das crianças que participam e são envolvidas nos seus projetos potenciando a sua criatividade, (como refere a conceituada psicóloga e socióloga Jacomina Kistemaker “A criatividade é o veículo da liberdade”) e dotando-as com uma capacidade de inovarem e de fazerem escolhas; mas também das comunidades onde desenvolvem o seu trabalho por lhes oferecer jovens cidadãos mais conscientes e preparados para garantirem um ambiente aberto, tolerante, responsável e solidário incompatível com práticas restritivas da liberdade. Não é por acaso que incluem no seu portefólio de atividades, com toda a propriedade, um espetáculo denominado “A liberdade a passar por aqui”, frase forte da canção “Maré Alta”, de Sérgio Godinho, escrita e composta em 1971 e que está incluída no álbum “Os Sobreviventes”, editado em 1972. Esta canção, com as restantes deste álbum, foi (no seu período final) um dos temas principais dos movimentos de resistência ao regime ditatorial derrubado em 25 de Abril de 1974, sobretudo no seio estudantil, e foi uma das canções que a rádio mais vezes transmitiu na tarde desse dia anunciando a liberdade que estava a chegar.

Por outro lado, a educação é também um importante fator para promover a equidade social e para auxiliar no combate à pobreza e, por isso, quando nos batemos por ela estamos a contribuir para aumentar a igualdade social e para diminuir a pobreza da população. E a promoção da equidade social começa a jogar-se nas intervenções a realizar na infância de forma a combater bem cedo as desigualdades provenientes das diversas condições sociais verificadas nas famílias das crianças.

Investir na educação é a forma mais efetiva não só de promover o crescimento mas também de distribuir os seus benefícios mais justamente. E investir nas competências das pessoas é muito menos dispendioso a longo prazo, do que pagar o preço de uma saúde e de uma proteção social para uma população mais pobre, com rendimentos mais baixos, com altas taxas de desemprego e com níveis elevados de exclusão social – tudo o que está relacionado com baixos níveis educativos.

A educação com qualidade, mais do que um benefício para as pessoas que dela usufruem, é um enorme benefício para toda a sociedade. Fica assim justificado o título deste texto dedicado à intervenção da CMT.

Conheço a atividade da CMT há mais de 20 anos – desde os seus marcantes projetos “Opus Tutti” e “GermInArte”, que foram etapas importantes na consolidação de um trajeto virtuoso que hoje alcança uma dimensão e um reconhecimento assinalável – e desde sempre me impressionou a forma marcante como privilegiam nos seus projetos a proteção dos direitos das crianças e promovem as suas capacidades e também as suas responsabilidades para participarem nas tarefas das suas comunidades numa perspetiva de educação para a cidadania. Têm tido a preocupação de seguir uma abordagem socioeducativa com um foco na prática de expressões artísticas, nas relações sociais e nas atividades ao ar livre, criando um ambiente pedagógico e educativo que promove a aprendizagem geral das crianças incluindo a sua curiosidade, a sua espontaneidade, a sua autonomia, a sua autoestima, o movimento, e a sua sensibilidade.

No contexto dos seus projetos as crianças estão sempre envolvidas em atividades estéticas e sensoriais proporcionando-lhes um contacto e um encontro direto com o ambiente envolvente, com processos de aprendizagem centrados nas crianças e nas suas formas de expressão através de tarefas de trabalho prático e interativo em vez de atividades mais formais.

A CMT recorre, para desenvolver os seus projetos, à colaboração multidisciplinar de psicólogos, artistas, pedagogos e investigadores com experiência e currículos sólidos e adequados às intervenções que realiza, conjugando frequentemente em alguns dos seus protagonistas diversas daquelas valências, o que facilita os processos de coordenação e interação em que estão focados e que são indispensáveis na preparação, definição e execução das suas atividades.

A enorme riqueza que resulta desta multiplicidade de abordagens temáticas por protagonistas qualificados e de talento deve ser sublinhada por garantir intervenções de mérito, aliando uma componente teórica a experiências práticas que, infelizmente, não são frequentes em atividades realizadas com crianças e que, por isso, prejudicam o potencial de desenvolvimento na infância. Por este motivo, terá de ser salientada e muito valorizada a enorme atenção que a CMT tem prestado à formação de educadores o que pela sua importância deve merecer um apoio acrescido e significativo das entidades responsáveis pelo desenvolvimento dos setores educativo, cultural e social bem como de outros parceiros envolvidos no desenvolvimento de projetos nestas áreas.

Os projetos da CMT, como referi, não se traduzem em intervenções avulsas e desgarradas sem preocupações de ordem teórica. Eles são sempre fundados num sólido enquadramento teórico de quem está preparado para o articular e respeita abordagens metodológicas compatíveis com as diversas realidades que vai enfrentar e com as variáveis críticas que se lhe deparam.

A importância que a CMT nos seus projetos concede à comunidade envolvente é um outro importante aspeto que merece ser salientado. Com essa preocupação ela procura construir um modelo de criação de uma comunidade educativa que considere a especificidade do seu contexto e diferencie o seu programa em função desse contexto e, ao mesmo tempo, esteja articulada numa rede entre agentes educativos e locais que valorizam e racionalizam os apoios.

Neste sentido, os projetos tornam-se muito mais efetivos ao integrarem a comunidade no seu trabalho, reforçando as suas ligações aos municípios e a outras entidades autárquicas, mas também continuando a envolver os pais e as famílias nas suas atividades e envolvendo ainda outros agentes, associações locais e outros organismos públicos e privados e participando também ela nas atividades desses organismos.

A comunidade local é um recurso valioso para as atividades educativas e estas são um recurso muito valioso para a comunidade local. Infelizmente esta colaboração mútua é muitas vezes subutilizada e subvalorizada e merece, por isso, ser sublinhado o esforço da CMT para contrariar esta tendência.

Em conclusão, passados 25 anos de atividade a CMT tem de continuar a olhar para o futuro – como o tem feito até agora – e perspetivar as suas intervenções sempre com preocupações de inovar e promover a criatividade, sabendo consolidar as experiências em curso – com a indispensável colaboração dos apoios que têm justamente merecido – para que as importantes intervenções que têm concretizado não se mostrem esporádicas e inconsistentes e os seus valiosos resultados possam ser multiplicados com a prossecução da prioridade nas componentes formativas. Esta aposta na infância é fundamental, porque esse é, como o demonstram inúmeros estudos, um período crítico para o desenvolvimento social e emocional das crianças, que pode moldar a trajetória do seu desenvolvimento ao longo da vida.

 

 

Manuel Carmelo Rosa
Investigador de Políticas Públicas de Ensino Superior