Carta/Manifesto aos herdeiros do amanhã
Marisa Trench de Oliveira Fonterrada
IA/Unesp – Brasil
Meus queridos futuros leitores.
Supõe-se que este conjunto de textos em forma de MANIFESTO endereçados a vocês – nascidos ou ainda não nascidos a partir do segundo quarto do século XXI –, ação idealizada pela Companhia de Música Teatral como parte da comemoração de seus 25 anos de atividade, possa ajudá-los a direcionar suas próprias pesquisas, solidificar seus valores e inspirar seu modo de vida, suas ações, sua poética, a partir da experiência de quem está ou esteve no Planeta Terra em período anterior. Mas, embora honrada com a proposta, surgiu imediatamente em minha mente a dúvida: “O que oferecer aos nossos herdeiros?”
Sim, vocês são herdeiros da humanidade que ocupou a Terra durante os séculos XX e XXI e recebem, agora, de nós, os frutos doces ou amargos, que farão parte de seu modo de vida, até que se sintam com capacidade e coragem para aperfeiçoá-los, alterá-los ou, mesmo, bani-los. Afinal, produzimos duas Guerras Mundiais no século XX e, de lá para cá, os conflitos entre países não pararam.
E não é apenas isso! Hoje, quase findo o primeiro quartel do século XXI, podemos dizer que vivemos em um mundo estranho, no qual a população ocidental escolheu determinadas ações ditas “civilizadas”, por sua modernidade, praticidade, conveniência ou oportunidade de lucro. Sem dúvida, houve muitos avanços; a Ciência andou a passos largos e trouxe um sem-número de soluções para benefício de grande parte da população mundial em muitas áreas, como saúde, comunicação, tecnologia…
No entanto, aos poucos, essas modernidades infundiram alterações no ambiente, desequilibraram a temperatura do planeta, provocaram doenças, extinguiram espécies. Não é possível ignorar os incêndios recorrentes, as inundações, os vendavais e furacões e, também, as secas que matam rios, plantas e animais. E parece que ainda não dominamos o diálogo, pois vivemos em conflito uns com os outros…
É contra tal estado de coisas que se ergue o clamor das pessoas conscientes, num esforço de alterar essa situação lamentável, embora esse protesto, ao menos até agora, não se mostre suficientemente forte para promover mudanças significativas no comportamento da sociedade. Ouvidos atentos escutam, por toda parte, os sons da destruição e o silêncio do desencanto. Esse estado de coisas não pode permanecer e espero que não chegue até vocês. Ou, se conseguir chegar, confio que vocês saibam lidar com ele com competência amorosa, a fim de encontrar um mundo melhor do que o que construímos até agora!
Então, estimados herdeiros do amanhã, estimo que nossa contribuição para com vocês terá de ser diferente dos exemplos que citei; quero estimulá-los a encontrar maneiras sensíveis, poéticas, interessantes, criativas, de lidar com o mundo, de zelar pelo ambiente, pela comunicação saudável, pela fraternidade, pelo exercício da Arte em suas múltiplas formas, pois ela tem muitas facetas, muitas expressões, que se desvelam em diferentes linguagens: Artes Visuais, Dança, Música, Teatro, entre outras mais, que podem atuar isoladamente mas, também, se unir e explorar, em exercício conjunto, suas múltiplas formas, adotando, talvez, um estilo semelhante ao criado por Murray Schafer – o Teatro de Confluência.
É isso, espero, que vocês construam: uma Arte feita com sons e movimentos, com corpos no espaço, que brote da observação e da escuta de elementos da natureza, que surja de ações coletivas e não sejam apenas a expressão de indivíduos isolados; uma Arte integrada à vida, capaz de envolver a comunidade em movimentos saudáveis, sensíveis, cheios de poesia; uma Arte que mostre o melhor dos seres humanos, que os afaste da competição e os aproxime da cumplicidade. Espero que, nesse exercício, as pessoas/artistas se unam, pensem, imaginem, provoquem, proponham, criem e executem Arte.
Se vocês, herdeiros do amanhã, se propuserem a considerar a natureza como fonte de inspiração, se a virem, respeitarem, ouvirem e conviverem com ela e se acreditarem que existe um artista no interior de cada ser humano, verão que, em esforço conjunto, não apenas produzirão espetáculos belos e verdadeiros em que as artes confluam, mas transformarão, também, o mundo.
Esse é o meu sincero desejo, herdeiros do amanhã, cheia de esperança de que vocês possam construir/reconstruir um mundo belo e verdadeiro, a partir de uma Arte presente na vida de todos e de cada um.
Sinceramente,
Marisa (início do século XXI)