Apresentação do CD DBW25

O incentivo à criação livre é também um incentivo à liberdade.

A grande vantagem de possuirmos, hoje, um CD como objeto, em vez de adquirir músicas online, algo cada vez mais comum na forma como são lançadas e comercializadas, é que o CD pode ser, por si só, uma peça artística e permitir todo o tipo de conceptualização imagética e informação física, que completam o todo do bem cultural. É o caso do DBW25, que apresenta uma fascinante construção labiríntica de fotografias, maravilhosas e envolventes, que capturam e refletem o ambiente efervescente do processo criativo da Companhia de Música Teatral.

Como escreve Paulo Maria Rodrigues na contracapa, o estranho título deste conjunto mágico de composições e interpretações musicais, DBW25, remete-nos para a ideia de uma sonda espacial, uma espécie de dispositivo exploratório que atravessa múltiplas dimensões por entre um universo em expansão. Este universo, como Paulo Maria Rodrigues descreve, “tem na criação artística a sua fonte de pulsação”.

Esta belíssima alegoria reflete, justamente, as duas dimensões deste CD: a fonte da pulsão humana, a criatividade, como base do desenvolvimento humano, e a ideia da expansão, do crescimento, do amadurecimento, que tem inevitavelmente na sua génese um processo evolutivo de formação. Neste sentido, encaixa-se plenamente nos propósitos da Arte enquanto instrumento para o Desenvolvimento Social e Humano desde a mais tenra infância.

São 33 composições a lembrar e a celebrar o trabalho de 25 anos da  Companhia de Música Teatral (CMT), numa imaginativa e inovadora “exploração dos territórios férteis da criação, das relações entre formas de expressão, do desenvolvimento musical e da cooperação através da Música”, nas palavras da direção artística da CMT.

Parece-me evidente que se comprovará ao longo da audição das várias faixas deste disco, que há muito se ultrapassou um patamar meramente exploratório de laboratório musical, e que o trabalho da CMT está plenamente consolidado, muito para lá da experimentação lúdica e sensorial.

De resto, “Laboratório” advém do latim laborare (trabalhar) em que as palavras labor (trabalho) e orare (orar) se conjugam numa simbiose da técnica intelectual e do propósito metafísico. Ora, estas pequenas peças resultam de uma metodologia e de uma lógica tecnicamente irrepreensíveis, assentes em critérios dramatúrgicos e musicalmente maduros, organizados como uma viagem sonora distribuída por geografias culturais diversas e ambientes sonoros contrastantes.

A direção artística é de Paulo Maria Rodrigues, que também toca piano no disco. Piano? Não, Pianoscópio, uma instalação da CMT, feita de múltiplas sonoridades a partir de velhos pianos conjugados, convocando a nossa imaginação para terrenos do domínio da fantasia, do encantamento, do onírico e das recordações da infância.

As composições caracterizam-se de cinco principais tipologias: i) a sonorização da natureza, pela difusão tímbrica do espaço físico material; ii) o jogo de palavras simples, repetitivas, percutidas; iii) a narrativa dramatizada e a teatralização do texto; iv) a canção harmónica, de tipologia tradicional europeia; e v) composições com componentes evocativas multiculturais.

De facto, a memória cultural constrói-se pela incorporação de significantes sonoros, externos ao discurso formal. É o caso dos símbolos musicais de cariz histórico ou social (sinos de igreja, sons militares, de caça, de dança), ou símbolos onomatopaicos (o cantar de pássaros, o galopar do cavalo, sons da natureza de efeito mimético), ainda pelo uso de escalas e intervalos culturalmente comprometidos. Todas estas referências sonoras serão assimiladas pela memória da criança, formando padrões, conexões com outras culturas e identificações cognitivas que contribuem para a construção do seu mundo e do seu conhecimento. É exatamente isso que esta compilação de composições, DBW25, nos proporciona: um guia por caminhos diversos que auxiliam na construção do universo infantil.

Sabemos que as significações musicais funcionam de forma diferente das significações linguísticas; que a música apela em primeiro lugar de forma somática e física diretamente ao corpo e não de forma cerebral e cognitiva, o que a distingue da linguagem falada.

É assim que peças como “A Chuva” ou “Tsuru” se encaixam neste registo sensorial; que composições como “Onde está o Gato” “Moro numa Casa” “Adivinha #2” ou “Ame”, surgem como exemplos de uma dramaticidade perfeita, através do uso de texto, onde a palavra se transfigura em ritmo e música; que “Hidromnesia” e “Caracol”, ao recuperarem toda a harmonia tradicional, a várias vozes e de forma irrepreensível, introduzem as crianças no património musical herdado da cultura europeia.

E ainda, com um largo conjunto de composições, entre elas “Saregama”, “Amaiô”, “Primeira Viagem” ou “Sergiolim”,  DBW25 transporta o vasto mundo extra-europeu com os seus ritmos, sonoridades e evocações para o universo do dia-a-dia infantil, mostrando o quanto o mundo é, de facto, uma aldeia global… Finalmente, o “Quotidiano Filosófico #4”, reafirma-nos a confiança no mundo.

São 33 composições que contribuem para o desenvolvimento auditivo e cognitivo da criança, estimulando o seu desenvolvimento emocional e sensorial; que introduzem o local e o global, o universal e o singular, a tradição e a modernidade. Porque a CMT sabe, e bem que, desde cedo, é imperativo diminuir a resistência ao novo, ao inesperado, ao ousado e ao desconhecido. É preciso abraçar a complexidade e o imprevisto sob a simplicidade do olhar da criança.

Confirma-se, pois, com a audição destas composições, que as artes são mesmo uma porta de entrada para o entendimento da natureza humana.

Gabriela Canavilhas