A dualidade/conflito entre o urbano e o rural presente na obra literária “A Cidade e as Serras” de Eça de Queiroz foi o ponto de partida deste trabalho. A pesquisa levou até outras paragens, nomeadamente à obra “As Cidades Invisíveis” de Italo Calvino, o que fez com que “As Cidade e a Serra” passasse a ser sobretudo uma visita a lugares da imaginação.

Lugares fantasiados em termos sonoros, espaço de interioridades humanas. Perante o dilema entre criar ou não criar raízes, face ao confronto entre o popular e o erudito, a imaginação surge como o refúgio possível da desinstalação e inospitalidade. Ou seja, vai-se deambulando pela transitoriedade dos locais reais; a única fixação possível pertence à arquitetura das ficções. É assim que o espetáculo se constrói a partir de composições originais feitas com sons da paisagem sonora recolhidos em Portugal e em Londres e colagens de obras concebidas a partir da paisagem sonora (Cries of London de Gibbons, Welkes e Berio e Les Cries de Paris de Janecquin). “As Cidades e as Serra” integra ainda música tradicional portuguesa harmonizada por Paulo Maria Rodrigues, Fernando Lopes-Graça e Eurico Carrapatoso. O espetáculo surge da confluência do trabalho com o Coro de Câmara em conjunção com a coreografia de António Tavares e as imagens de Pedra Sena Nunes. Em alternativa ao livro de Eça, As Cidades e a Serra não apresenta uma narrativa nem uma solução para o conflito entre o Rural e o Urbano, a Natureza e Tecnologia, o Simples e o Complexo, o Popular e o Erudito. Não se trata, pois, de fixar residência em Paris ou Tormes. Apenas se deambula por entre trânsitos do Som, Corpo e Imagem. Viaja-se. Estamos de passagem.