Nascem na ponta dos dedos. Uma “inúmera mão” (de crianças e adultos) serve-lhes de ninho. Juntam-se em “murmuração” visual e sonora afinada pelo desejo dum mundo melhor e têm sido avistados em vários locais e épocas do ano. Ao leitor interessado em conhecer de forma mais profunda as origens e deambulações iniciais do projeto Mil Pássaros recomendamos a leitura do livro Rotas de Mil Pássaros que lançamos na Primavera de 2022. Para os que já ouviram outras histórias de Mil Pássaros e precisam apenas de perceber o contexto destas memórias que aqui se narram recomendamos a leitura do artigo Mil Pássaros no Bairro Padre Cruz. O que aqui se conta são pequenos episódios de uma viagem que a Inês e o Gustavo realizaram com pessoas muito diversas (crianças, jovens e idosos) que frequentam o Centro Social do Bairro Padre Cruz (uma estrutura da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa).
Unumano. Começamos por jogar Uno com eles e depois o Gustavo lembrou-se de um jogo com palmas muito parecido com o Uno. É um jogo sem palavras. Organizamos uma roda e “passamos palmas” à pessoa seguinte. Diferentes números de palmas, de 1 a 4, têm diferentes consequências sobre que acontece a seguir, de acordo com uma regra pré-estabelecida. Sempre que entra um elemento novo começamos a jogar sem explicar o jogo e as novas pessoas vão entendendo as regras à medida que jogam. A partir de uma certa altura inventámos também que podíamos ter a possibilidade de usar 5 palmas, sendo que a regra teria que ser inventada pelos jovens em cada jogo. Normalmente começamos assim as sessões com os jovens, a jogar, a bater palmas. Sem falar.
Aula de Adufe .Há uma senhora com 100 anos, a Dona Adelaide, que é de Idanha-a-Nova e era adufeira. Tem uma grande paixão pela canção Senhora do Almortão. Quando percebemos isso, trouxemos um adufe e começamos a cantar a versão que nós conhecíamos dessa canção. Mal começamos a cantar, a Dona Adelaide disse “o tom não é esse”. Demos-lhe, então, o adufe para a mão e ela começou a tocar e a cantar a sua versão. Da segunda vez que trouxemos a Senhora do Almortão para a sessão com os idosos já cantámos a versão da Dona Adelaide, mas mal começámos a cantar, ela virou-se para o Gustavo (que estava a tocar adufe) e disse-lhe lhe “não é assim que se toca” e deu-lhe uma “masterclass”. Com o Gustavo e /ou a Dona Adelaide ao adufe, quando o ritmo ficava mais estável, cantávamos todos.
Outras Músicas, Outros Teatros. Nas sessões com os jovens começámos por fazer “tubalões”. E com eles criámos uma “orquestra”. Experimentámos outros instrumentos não convencionais, pintámos e fizemos orizuros, captámos sons e usamos o audacity e o soundplant para os manipular e fazer música. Fizémos um POLISPhone do bairro. E exercícios de teatro.
Pássaros “Grandes”. Da primeira vez que explorámos paisagens sonoras de pássaros com os idosos, eles gostaram tanto que, quando saímos para fazer a sessão com os jovens, continuou-se a ouvir o cantar de vários pássaros na sala ao lado. Durante muito tempo.
Novidades acerca da Idade. O PaPI-Opus 8 foi apresentado na Santa Casa aos bebés e aos idosos. Com o primeiro público correu muito bem, mas a grande novidade foi a apresentação para os idosos. Nunca tinha feito um Opus 8 para este tipo de público e foi uma experiência incrível: fizeram rimas, sons de pássaros e inúmeros comentários a descrever aquilo que viam. Mesmo depois de passarem várias semanas, de vez em quando vinham falar comigo e diziam-me que tinham gostado muito. Principalmente o senhor César.
Experiência Super-Sónica. Na primeira sessão com idosos em que experimentámos fazer música com bambus acho que a maior surpresa foi causada nas auxiliares, ao verem pessoas que normalmente estão meio adormecidas a participarem ativamente na sessão.
Bom Dia. Desde o primeiro dia que iniciamos todas as sessões dos bebés com a canção “Bom Dia”. Cantamos a canção com gestos e desde o início até agora que o Miguel se ri sempre com o plão plão plão. É uma constante em todas as sessões e agora todas as crianças se riem. Para além disso vamos inventando conversas com esses sons.
Emoções. Houve uma sessão com os jovens em que fizémos um jogo de emoções. È muito simples: fazemos uma roda, escolhemos uma emoção e alguém que começa, sendo que o nível de intensidade vai aumentando por cada pessoa que está no jogo. Nesse jogo, o Tomás estava tão empenhado que queria ser sempre o nível mais alto dessa emoção, quer fosse a rir, a chorar, ou até a adormecer de tranquilidade fazendo de conta que a cadeira que tinha em cima dele era uma manta.
My Favorite Things. Na primeira fase do projeto conhecemos o Domingos, da sala de 1 ano. Nessa altura ele só gatinhava e não fazia sons. Gostava muito de nós, estava sempre contente e muitas vezes, durante as sessões, vinha sentar-se ao nosso colo. Na última sessão da primeira fase vimo-lo a andar pela primeira vez! Na segunda fase ele começou a participar vocalmente e ficava muito feliz quando nos via e muito triste quando nos íamos embora…. Era de partir o coração. O Ivan, que está na sala de 1 ano, ainda só gatinha mas gosta muito de música e participa muito vocalmente. Para além disso, sempre que vê o Gustavo a tocar guitarra vai logo para cima dele. O Kendrik da sala dos 2 anos canta tudo aquilo que nós cantamos e então nós também puxamos por ele e temos conversas musicais durante as sessões. Nos final, ele diz “obrigado Inês, obrigado Gustavo!”
Na segunda fase começámos a ir ao berçário porque: 1) os bebés são amorosos; 2) as educadores que lá estão agora eram as educadoras da sala dos 2 anos da primeira fase. Acontece que um dia passámos por lá para as cumprimentar e começámos a cantar para os bebés. Elas adoraram a reação deles e nós também. Por isso, agora também vamos lá cantar todas as semanas.
Their Favorite Things. Estes são alguns dos momentos preferidos dos idosos: a Rosarinho gostou da atividade do novelo (cantámos o “Vamos lá saindo” enquanto passávamos um novelo por todos) porque sentiu que estávamos todos unidos. O senhor José gosta muito da “Canção da Terra,” e então, sempre que a cantamos, só se ouve a voz dele. A Idalina teve uma evolução super-bonita porque até há 3 sessões não falava connosco e depois de o Gustavo lhe ter pedido para tocar nas cordas da guitarra ela começou a falar, a dançar comigo, a dar-nos abraços e também há sessões em que ela chega chateada e sai muito feliz.
Desejos. Há duas semanas fizemos uma recolha de desejos dos idosos e houve um que me saltou à vista. O senhor Valdomar disse que queria embarcar para Cabo Verde e já há umas sessões atrás me tinha dito que a sua comida preferida era “cachupa”. Então na última sessão eu e o Gustavo cantámos uma canção de Cabo Verde, “na oh minino na”, e ele começou a cantar connosco. Foi muito bonito.
É isto. Para além disto temos gravações áudio de canções, aquecimentos, frases e poemas (vamos usar na exposição de Janeiro e depois também vou pedir mais um pé de pássaro).
Inês