Esta última missão da CMT na Guiné Bissau tinha dois grandes objectivos: dar continuidade e “epílogo” ao trabalho de formação que foi desenvolvido desde o início do projeto Ur_Gente (tínhamos estado na Guiné em Janeiro, Junho e Outubro de 2023 e realizado várias mentorias online); participar no Festival Djintis, contribuindo para a diversidade e qualidade da programação artística.

A requalificação do armazém onde tínhamos trabalhado em Junho de 2023 foi um desafio imenso e quando chegámos ultimavam-se os trabalhos de montagem de som e luz, bem como a formação de técnicos nestas áreas. O Ur_Gente tem agora uma Casa:  é bonita, funcional e distinta . Foi emocionante vê-la “nascer” e acolher, vibrante, as múltiplas “cores” e “vozes” do Festival Djintis. ”Lugar onde o lume foi aceso, e à sua roda se sentou a alegria”. Habitá-la com a Conferência dos Pássaros e Kaminhu Lundju foi certamente um ponto alto de todo o trajeto da formação mas também do próprio Festival: são criações que resultaram de formações presenciais anteriores, com contornos estéticos diferenciadores e que agora puderam ser apresentadas com condições técnicas muito mais elaboradas do que as das apresentações iniciais. A diversidade e qualidade artística do Djintis foi muito elevada e trouxe a Bissau um conjunto de propostas de vários países e “territórios artísticos”, dando corpo às palavras “artes cénicas” e “trandisciplinar” mas também a uma visão própria e inovadora, consciente da geografia, da história e do potencial transformador do Ur_gente na vida cultural guineense. O tema desta primeira edição, “Tera” (em crioulo da Guiné-Bissau, “Terra” em língua portuguesa), “terra onde caminhamos, Terra-planeta onde todos habitamos, Terra que nos apela a uma nova consciência de cuidado, de relação com o outro” é-nos particularmente caro. Desde NOAH. O Djintis foi um “acontecimento transformador” e as performances de Conferência dos Pássaros e Kaminhu Lundju foram também relevantes porque permitiram fazer “ouvir a voz” dos jovens guineenses com quem trabalhámos nos últimos meses em questões performativas, de cenografia e vídeo. Esse sentido de continuidade e epílogo, o poder aprofundar as ideias, ter condições e contextos que dignificam o esforço, trabalho e talento são essenciais não só para uma experiência de formação plena mas também para a motivação e continuação do envolvimento destas pessoas em futuros desafios.

A participação da CMT no Festival incluiu também uma intervenção musical num jardim de infância acompanhada por uma ação de formação/sensibilização para educadoras, precedida e seguida de formação para alguns dos formandos Ur_Gente. No mesmo jardim de infância houve lugar à apresentação de uma das peças do repertório CMT, PaPI-Opus 8, a que se seguiu uma sessão de histórias contadas por um artista guineense. A intersecção de linguagens artísticas e “backgrounds” culturais é uma das características mais interessantes da programação do Festival e esteve presente ao longo de toda a programação. A participação da CMT incluiu ainda a apresentação de Dooo Ba Wooo no Centro Cultural Português, a que se seguiu uma apresentação pelo Grupo de Teatro do Oprimido da qual faziam parte alguns dos formandos que participaram na Conferência dos Pássaros e Kaminhu Lundju. Além das crianças e famílias estavam também presentes muitos outros dos formandos com quem tínhamos trabalhado. Mais uma vez, e de uma outra forma, se revelou a ideia de “formação” como processo de partilha, de criação de mundividência, de experiência e sensibilização. Ao longo de vários anos temos vindo a defender a ideia de “formação imersiva”, um processo complexo que se radica na “experiência da arte” (participando, fazendo, criando, observando), transformador e holístico, que permite a aquisição de competências artísticas, mas também comunicacionais, educativas e que catalisa a criação de ligações entre as pessoas. O contexto do Festival é um excelente exemplo de como se pode mobilizar e potenciar toda a riqueza que é necessária para “formar” artistas, educadores, técnicos.

O “reencontro”, após vários meses de mentorias online, sempre difíceis, foi, novamente, um prazer. O talento, generosidade, energia, vontade de aprender/descobrir, empatia são o chão fértil onde as dificuldades se superam, de onde a arte brota com alegria e força comoventes. Ao longo de pouco mais de dois anos o projeto Ur_Gente já conseguiu dois feitos assinaláveis: a criação de uma “casa” e de uma “comunidade”. Kasa e Djintis Em qualquer lado do Mundo isso seria notável. Na Guiné-Bissau isso é ainda mais significativo. Para quem, como nós, acompanhou desde o início todo o “sonho” e o “caminho longo” que se seguiu, o que aconteceu na última semana foi admirável, espantoso e inspirador. Que os pássaros continuem a voar. É urgente o amor.

O projeto “Ur-GENTE, Centro de Artes Cénicas Transdisciplinar de Bissau” é apoiado pelo PROCULTURA, financiado pela União Europeia, gerido e cofinanciado pelo Camões, IP. É coordenado pela ONGD VIDA, tendo como parceiros o GTO Bissau – Grupo de Teatro do Oprimido (Guiné-Bissau), a Academia Livre de Artes Integradas do Mindelo (Cabo Verde), e a Companhia de Música Teatral (Portugal).