Com Palavras Amo é um convite à “escuta” de “paisagens de ouvir” construídas a partir de encontros entre a poesia de Eugénio de Andrade e as vozes de quem lhe quis servir de casa.

Durante o ano em que se celebrava o centenário do seu nascimento, e ao longo de vários meses, fomos criando oportunidades para conhecer, experimentar, descobrir, dizer, escutar as palavras do poeta. Trabalhámos com pessoas muito diversas e apaixonámo-nos, de novo, pela Música das suas palavras, que conhecíamos no silêncio, agora com cores e tons de “gente comum”. A Biblioteca Municipal Eugénio de Andrade foi “casa” e “mãe” de muitas sessões com “comunidades” do Fundão mas a “voz” do Poeta levou-nos a outras paragens, também. Sobre as palavras. Eugénio falou várias vezes. Com muito amor. Talvez o mesmo amor que tinha pela Música, porque ambas jorram da mesma fonte, segundo ele.

Numa fase avançada do projeto desenvolvemos formas de partilhar os resultados desse processo participativo, nomeadamente através de uma instalação, que é, assim, um exercício de transformação de palavras escritas em “paisagens de ouvir” que se revelam quando o público acciona um conjunto de “esculturas sonoras” que fazem ressoar o espaço que a acolhe. A instalação convida à deambulação pelo espaço, à descoberta de sonoridades por vezes inesperadas e onde as palavras se “diluem” num “magma sonoro”, outras vezes reaparecem com a claridade e transparência de vozes frágeis, às vezes em línguas e dialectos que parecem acentuar ainda mais a musicalidade inicial. As esculturas-sonoras de Com Palavras Amo são organizadas como um “côro ou orquestra de câmara”, em que cada um dos instrumentos-máquinas tem a sua identidade mas também a sua “personalidade” e o seu “mistério”: não é possível repetir a mesma experiência duas vezes e a descoberta e exploração da instalação convida à escuta individual de cada “escultura-sonora” mas produz também uma ação sobre a paisagem sonora do espaço em que se encontra, uma espécie de “música de conjunto”. Adicionalmente, as “palavras gravadas” foram disponibilizadas “online” para permitir uma outra forma de “escuta”, mais focada nos pormenores das vozes, nas suas cores e prosódia, nas palavras originais do poeta e das múltiplas formas e sonoridades que adquirem quando habitam o corpo de quem as diz, nas “histórias paralelas” que nos contaram, nos processos de “transformação” que fizeram, em muitos casos, que o “som”, mais do que a “semântica”, seja a dimensão mais significativa daquilo que se “sente”. Vozes de pessoas crescidas, muito crescidas, mas também das que ainda têm muito para crescer, porque o Eugénio escreveu para todos.

A constelação Com Palavras Amo inclui, ainda, a possibilidade de continuar o processo participativo, proporcionando oportunidades de “dizer”, “explorar”, “escutar”, “co-criar” em oficinas criativas inspiradas nas experiências que deram origem ao material sonoro da instalação e da publicação online. As oficinas são uma forma de “conhecer-dizendo-ouvindo” a poesia de Eugénio de Andrade mas sobretudo de experimentar as inúmeras possibilidades de dar “corpo” à palavra escrita e incluem a gravação de novas “paisagens de ouvir” que posteriormente são incorporadas na instalação e publicação online.

Por último, a constelação prevê ainda uma conferência que procura contextualizar e “explicar” o trabalho que se pode “ver-ouvir” nas experiências anteriores e dar pistas para que educadores e artistas possam construir os seus percursos de descoberta e formas de interagir com outros através da “palavra”. A nossa relação com o Poeta remonta ao tempo em que ainda não sabíamos que os pássaros também habitavam a sua música: Uma Prenda Para Eugénio de Andrade (1999) foi um dos primeiros projetos da CMT e o que descobrimos e aprendemos fez-nos querer ir mais longe. O “regresso” a Eugénio de Andrade é uma oportunidade de partilhar, também, um percurso fértil de relação com outras palavras, criadas por nós e usadas em vários projetos e publicadas sob várias formas. Com Palavras Amo faz com que nos sintamos “de volta” mas com olhos e ouvidos mais abertos e com muitas histórias para contar.