No início da Primavera estaremos na Universidade de Edimburgo, com colegas e amigos, a celebrar a vida e a carreira de Colwyn Trevarthen, alguém que muito nos inspirou e continua nos nossos corações.

Ver detalhes da conferência aqui

 

Olhar o Céu com Colwyn Trevarthen

por Helena Rodrigues

Ao recordar Colwyn Trevarthen vêm-me, naturalmente, muitas memórias: umas são como que breves “flashes” (uma postura, uma frase, um olhar, um lugar) outras parecem-me narrativas sincronizadas com o seu andar. Em todas encontro uma qualidade de movimento especial; percebo agora que muito do que com ele aprendi caminhava nos seus passos.

Vejo-nos em Edimburgo, aquando da comemoração dos seus oitenta anos, a interromper o nosso passeio, e a chamar-me a atenção para o Céu. Mostrava-me um grupo de pássaros que se deslocavam juntos, em bando. Estava fascinado, intrigado, maravilhado, com aquela dança sincronizada, cheia de ritmos individuais e coletivos. E ficámos assim durante uns bons minutos a olhar o Céu, cada um a voar com os seus mistérios. Regresso muitas vezes a esta memória, certa de que, naqueles breves minutos de contemplação, o Céu terá mudado de rumo.

Colwyn Trevarthen foi um académico, investigador e pensador com ideias altamente inovadoras no âmbito da Psicobiologia e do estudo da comunicação humana. O seu interesse pela musicalidade humana levou-o a criar, com Stephen Malloch, o conceito de “musicalidade comunicativa”. Goleman descreveu-o como o maior especialista em “protocomunicação” (o estudo da comunicação nos primeiros tempos de vida).

Dotado de uma cultura e conhecimentos vastíssimos, o seu trabalho no estudo do desenvolvimento na infância é uma fonte de inspiração para vários campos disciplinares. As suas perspetivas contribuíram para um caminho de humanização e respeito relativamente ao desenvolvimento nos primeiros anos de vida.

Colwyn Trevarthen foi professor na Universidade de Edimburgo, sendo autor de inúmeras publicações. Em Portugal, para além de ter sido uma fonte de inspiração em várias iniciativas da Companhia de Música Teatral foi também consultor do Programa Doutoral de Ciências Musicais da NOVA FCSH.

Conheci-o em 2002, graças ao Professor Luís Portela, que facilitou a sua vinda à NOVA FCSH aquando da realização do 4º Simpósio da Fundação Bial, Aquém e Além do Cérebro, em que Colwyn Trevarthen era orador. A ambos fiquei sempre muito grata: após um simples telefonema, estava traçado um caminho que  viria a fazer a diferença na vida de muitas pessoas. Ou seja, a Vida continuou depois o vórtice desses minutos de escuta para espalhar depois os seus ecos por outros lugares e pessoas.

Colwyn vibrou com o projeto Bebé Babá sendo seu incondicional fã. Dizia que era um projeto que tinha de ser dado a conhecer ao mundo inteiro, e viria, aliás, a escrever o prefácio para a publicação com o mesmo nome. Desde um primeiro encontro de mútuo entendimento, foram muitas as iniciativas em que Colwyn esteve connosco.

Recordo, por exemplo, uma iniciativa na NOVA FCSH, que juntou três magos: Colwyn Trevarthen, Edwin Gordon e Manfred Clynes. Hoje, ao olhar para trás, percebo que esse encontro improvável deveria ter sido tratado com glória e fogo de artifício. Não o foi, mas esse especial  alinhamento dos astros terá provocado os desalinhamentos necessários nos pequenos espaços onde a Vida se auto-regula.

Por exemplo, em várias iniciativas de Opus Tutti (2011-2014) e GermInArte (2015-2018) em que os contributos de Colwyn Trevarthen estiveram presentes: conferências, escritos, debates, consultadorias, formações. Ou em breves diálogos no magnífico e revelador Jardim da Fundação Calouste Gulbenkian, instituição que apoiou esses projetos. Foram anos privilegiados de experimentação e inovação. Um dos resultados em que chegámos mais longe foi a formação imersiva em arte para a infância que, desde então, tem continuado o seu percurso singular. Sem dúvida que a inspiração de Colwyn Trevarthen está presente no modelo criado. Por isso, a publicação Florir a Sul – Para cuidar de todas as infâncias — que oferece uma panorâmica geral relativamente ao trabalho da Companhia de Música Teatral no âmbito da formação de adultos, abordando com maior detalhe os mais recentes laboratórios de formação imersiva promovidos pelo Cineteatro Louletano — foi-lhe dedicada. No final de julho de 2025, foi apresentada publicamente após o espetáculo para famílias e bebés que culminou o curso e residência artística desse Verão. Houve cravos vermelhos, e um coro espontâneo de vozes de todas as idades entoou a melodia de Grândola Vila Morena. Creio que, nesse dia, o mistério dos pássaros que voam juntos ficou quase decifrado.

Estar presente na Conferência Rhythm, Sympathy, and Human Being, — no Reid Concert Hall da Universidade de Edimburgo a  21 de Março 2025 — é um privilégio. Porque este evento celebra a vida e a obra de Colwyn Trevarthen, juntando a família, amigos e colegas. Ao longo da sua vida, por diversas vias, Colwyn procurou juntar pessoas, de campos profissionais diversificados,  e que, por alguma razão, considerava que deveriam conhecer-se mutuamente. É significativo que, após a sua partida, nos continue a juntar. Estamos juntos porque ele tinha uma relação com cada um de nós, e há uma pertença que nos agrega no seu trabalho, no seu legado. À semelhança dos pássaros que voavam juntos naquele fim de tarde em que Colwyn contemplava no Céu, há uma invisibilidade que nos une. Uma presença, portanto.

Está, pois, assim explicado o mistério do voo coral dos pássaros.

Obrigada Colwyn, obrigada a todos.

 

 

Dedicado a Colwyn Trevarthen

Livro Florir a Sul – Para cuidar de todas as infâncias

ZYG – Experimentar

Jardim Interior – Obrigada a Colwyn Trevarthen

 

 

Colwyn Trevarthen:

1. Consultor e mentor honorário da formação imersiva arte para a infância

The birth of a baby is the arrival of a person seeking relationships with friends, expecting to see, hear, and hold an embrace of life with affectionate companions, ready for sympathy in every pulse and tone of movement, and for sharing stories in a theatre of playful, melodious adventure. This is the message of Companhia de Música Teatral, and of GermInArte.

Historial: Jardim Interior #2015; Caleidoscópio #2016; Dabo Domo #2017; Jardim Interior #2019; ZygZag&Zoom#2020; i.lab Mil Pássaros #2021; i.lab Mil Pássaros #2022; i.lab Mil Pássaros #2023; i.lab Mil Pássaros #2024

Filmografia das formações imersivas: Jardim Interior; Caleidoscópio; Dabo Domo; Voar da ponta dos dedos

2. Publicações

Rodrigues, Helena; Rodrigues, Paulo M.; Correia, Jorge. 2008. Communicative musicality as creative participation: From early childhood to advanced performance. In Communicative Musicality – Exploring the Basis of Human Companionship, ed. Malloch, S. & Trevarthen, C., 585 – 610. ISBN: 978-0-19-856628-1. Oxford: Oxford University Press.

Rodrigues, H. M., & Rodrigues P. M (2017). Collective musicality: Stories of healing from Companhia de Musica Teatral and other musical projects. In Daniel, S. and Trevarthen, C. (Eds.) Rhythms of Relating in Children’s Therapies: Connecting Creatively with Vulnerable Children. London: Jessica Kingsley, pp. 294-310.

Trevarthen, C. (2016). Prefácio para Opus Tutti. In Ecos de Opus Tutti, ed. Helena Rodrigues, Paulo Ferreira Rodrigues e Paulo Maria Rodrigues, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 5-10.

Trevarthen, C. (2018). A child is born with a human spirit, seeking joy in companionship, In Ecos de GermInArte, ed. Helena Rodrigues, Paulo Ferreira Rodrigues e Paulo Maria Rodrigues, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 346-371.

3. Encontros

2018 – VIII Encontro Internacional Arte para a Infância e Desenvolvimento Social e Humano – Programa (pdf)

2014 – IV Encontro Internacional Arte para a Infância e Desenvolvimento Social e Humano – Programa (pdf) e biografias (pdf)